Carnaval em Brasília: de bailes em clubes a blocos de rua

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Se hoje um milhão de brasilienses e turistas invadem as ruas de Brasília para brincar o Carnaval, é porque um grupo de pioneiros deu o pontapé para iniciar a festa do Momo, quando a cidade mal tinha comemorado seu primeiro ano de vida.

Os primeiros moradores da capital contam que a folia existia desde antes da inauguração, em 21 de abril de 1960. Era um desejo de Israel Pinheiro, administrador da capital federal, fazer, no meio do Cerrado, o primeiro Carnaval da nova cidade.

A princípio, os festeiros se reuniam na Travessa Dom Bosco, na Cidade Livre – hoje Núcleo Bandeirante –, com apenas alguns solitários fantasiados pelas ruas.

Foi oficialmente em 1961 que a festança começou. Naquele ano, a alegria tomou conta dos salões de bailes dos clubes do Núcleo Bandeirante e do Plano Piloto. Em outubro, foi fundada a primeira escola de samba, a Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro.

A inciativa veio de um grupo de moradores cariocas reunidos em um dos primeiros núcleos urbanos da cidade, ainda chamado de Bairro do Gavião – hoje Cruzeiro. A estreia foi em 1962, ocupando a W3 Sul, ponto de encontro da sociedade brasiliense na época. Além da Unidos do Cruzeiro, desfilaram outras três escolas: Alvorada em Ritmo – que venceu as três primeiras disputas –, Brasil Moreno e Unidos de Sobradinho.

Durante muitos anos, a apresentação das agremiações foi o ponto alto do Carnaval brasiliense e também serviu de base para o fomento do samba na cidade e a disseminação do ritmo também em blocos de rua, como o Pacotão.

Vencedora absoluta

Das quatro escolas que se apresentaram em 1962, apenas a Unidos do Cruzeiro ainda existe e completa 59 anos em 21 de outubro deste ano. Depois dos três carnavais vencidos pela Alvorada em Ritmo – 1962, 1963 e 1964 -, a escola do Cruzeiro começou a vencer em 1965 e conquistou, logo de cara, o pentacampeonato.

Nos primeiros anos, a Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro desfilava com o nome de Unidos do Cruzeiro. Foi assim até que um jornalista do Correio Braziliense, à época autor de muitas reportagens sobre a associação, reclamou que o nome era muito grande, difícil de ser usado em títulos. Ele sugeriu que a escola adotasse a sigla Aruc, que pegou.

A Aruc conquistou uma hegemonia como pouco se viu nos carnavais do Brasil. Ganhou 31 dos 48 desfiles oficiais dos quais participou. A escola trazia para a avenida 1,2 mil componentes com fantasias luxuosas, no padrão carioca da Sapucaí.

As escolas de samba do DF desfilaram até 2014, quando a festa teve como vencedora a Acadêmicos da Asa Norte, escola fundada em 1969 e a segunda maior detentora de títulos – sete, ao todo.

Palcos da folia

Depois da W3 Sul, o palco da diversão foi transferido para a plataforma superior da Rodoviária de Brasília, onde ficou até 1966.

A partir daí, até o começo da década de 1980, as escolas de samba se apresentavam na região central do Plano Piloto. Em 1982, o desfile foi levado para a Avenida Comercial de Taguatinga, mas logo voltou ao Plano Piloto, nos anos seguintes.

As farras carnavalescas memoráveis da cidade lotavam mesmo era o Eixão Sul, entre as décadas de 1980 e 1990, chegando a reunir 50 mil pessoas na noite de desfiles do Grupo Especial, formado por seis escolas.

“Foram grandes carnavais, mas aí começou a ter reclamação de moradores, começaram as obras do metrô e tivemos que sair de lá”, conta Moacyr de Oliveira Filho, o Moa, 67 anos, e presidente da Aruc pelo quinto mandato (não consecutivo).

Para ele, o melhor lugar de Brasília para desfilar era a Passarela da Alegria, atrás da Torre de TV e que,  também conhecido como Caldeirão da Folia, foi o cenário onde as agremiações se apresentaram entre 1997 e 2004. “Era o lugar perfeito, a pista já estava pronta, não tem moradores perto, é um local centralizado, perto da Rodoviária, com estacionamento fácil, não causava grandes transtornos para ser fechado quando as arquibancadas eram montadas”, enumera. “Era um local que incomodava muito pouco a vida da cidade”.

Ceilambódromo

Segundo Moa, o sucesso do Carnaval no fim da década de 1980 e nos anos 1990 se deve a uma programação cultural extensa e diversificada. Nas chamadas “batalhas de confete”, dois meses antes da farra, um evento pré-carnavalesco agitava as regiões administrativas.

“Ia um conjunto de samba, o reinado do Momo e uma escola de samba”, retoma. “Um fim de semana era em Taguatinga, no outro em Ceilândia, no Guará… Cada fim de semana tinha em uma cidade. Isso ajudava a atrair o público.”

Ele também lembra que havia dois eventos junto ao desfile das escolas que atraíam grande público: um baile infantil na tarde de domingo no “sambódromo” e todas noites tinha um baile popular quando acabavam as apresentações das agremiações.

Em 2005, um novo capítulo marcou a história do Carnaval de Brasília. Por sete anos seguidos, o desfile foi realizado em Ceilândia, onde uma estrutura era montada exclusivamente para a folia, o Ceilambódromo – local em que hoje funciona uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

A noite do desfile do grupo especial chegava a reunir 40 mil pessoas, mas, apesar do público, os dirigentes das escolas reclamavam da falta de estrutura e da distância. De Ceilândia, a festa voltou para o estacionamento do ginásio Nilson Nelson, onde permaneceu por mais dois anos até ser suspensa de vez. Há cinco anos as escolas de samba não desfilam em Brasília.

Carnaval de rua

A história do Carnaval de rua de Brasília começou no ano em que a cidade completava sua maioridade (18 anos). Numa época em que o desfile das escolas de samba imperava, em 1978, o bloco Pacotão surgiu timidamente no meio da avenida e, aos poucos, aglutinou multidões.

Conhecido por satirizar a situação política do país, o bloco de rua mais tradicional da cidade tem marchinhas com letras ácidas contra políticos e cruza a W3 Sul pela contramão, como forma de protesto.

A origem do nome “pacotão” faz referência ao conjunto de medidas anunciadas pelo então presidente da República Ernesto Geisel em 1977, conhecido como “Pacote de Abril”. O tal pacote não foi para a frente e, entre os jornalistas, virou motivo de piada.

Da brincadeira, veio a sugestão de criar um bloco. “A ideia era fazer um bloco dos sujos, igual nos carnavais de antigamente, em que as pessoas botavam uma fantasia e iam para a rua. No primeiro desfile, em 1978, parecia um bando de malucos no meio da rua”, conta Moa, um dos fundadores do Pacotão.

Naquele primeiro desfile, parte da bateria da Aruc saiu com o bloco e garantiu a diversão dos foliões. “Eu já frequentava a Aruc e pedi apoio ao presidente da escola, que adorou a ideia”, conta o jornalista. “Tanto que o primeiro cartaz de divulgação do bloco dizia: ‘o Pacotão e a Unidos do Cruzeiro convocam o povo para adentrar a avenida’”.

Marcha do Aiatolá

Geisel, você nos atolou, o Figueiredo também vai atolar. Aiatolá, aiatolá, venha nos salvar, que esse governo já ficou gagá.

O bando de “malucos” totalizou cerca de 100 pessoas em 1978. Um ano depois, o bloco explodiu e atraiu milhares. Naquele ano, foi escrita a marchinha conhecida até hoje como hino do Pacotão, a Marcha do Aiatolá.

Em 1979, o general João Figueiredo sucedia a Ernesto Geisel no controle ditatorial do país. Enquanto isso, no Irã, o aiatolá Ruhollah Khomeini liderava a revolução que, em 11 de fevereiro, derrubou o monarca Mohammad Reza Pahlavi e instaurou a república islâmica.

A marchinha caiu no gosto da cidade e milhares de pessoas desfilaram naquele ano. “Quando criamos o bloco, nunca imaginamos que o Pacotão iria se transformar no que se transformou”, conta Moa.

Diretas já

Mas o auge do Pacotão foi em 1984, ano das Diretas Já, quando uma multidão estimada entre 30 e 40 mil pessoas se entregou ao samba. A marchinha era Cai na real, general, e a maioria dos carnavalescos fez o percurso vestido de amarelo e verde carregando mensagens que pediam a retomada das eleições diretas para presidente.

Esse desfile deixou o Pacotão nacionalmente famoso. O Fantástico, da Rede Globo, passou a mostrar o desfile todos os domingos durante alguns anos, simbolizando o Carnaval de Brasília. Ele existe até hoje, mas seus fundadores ficaram mais velhos, se afastaram das funções e não desfilam mais.

Não adianta mais enrolar, é agora, tá na hora, vamos lá. Ninguém me segura, sai da minha frente. Eu, este ano, vou votar pra presidente. Chega de conversa mole, ninguém engole o tal Colégio Eleitoral. Cai na real, general.

Clubes

Os bailes nos clubes também são um capítulo da história do Carnaval brasiliense que merece destaque. Desde os anos 1960, os mais animados vestiam as fantasias, pintavam os rostos e lotavam os salões. Bailes memoráveis eram concorridíssimos até os anos 2000.

Em 1961, os carnavais eram celebrados em clubes do Plano Piloto, como no pioneiro Brasília Palace Hotel, e também em boates do Núcleo Bandeirante. Em 1962, foi criado no Hotel Nacional o Baile da Cidade, que contou com a presença da atriz norte-americana Rita Hayworth e do então primeiro-ministro Tancredo Neves.

Houve também o baile popular, no Teatro Nacional, ainda em construção. No ano seguinte, o Baile da Cidade, novamente, lotou o Hotel Nacional, e quem apareceu por lá foi o astro hollywoodiano Kirk Douglas.

Nos anos 1980, as noites eram embaladas por marchinhas e bandas de sopro. Os bailes dessa época já eram sucesso e reuniam cerca de 5 mil pessoas.

Mas o auge mesmo foi nos anos 1990, quando, em festas embaladas por bandas de axé, os brasilienses começaram a ouvir músicas baianas, como as de Luiz Caldas, tocadas, entre outras, pela banda Squema Seis. Também passaram a fazer sucesso as inúmeras festas do estilo micareta espalhadas pela cidade.

Havia um revezamento dos dias dos bailes. Os do Iate Clube eram realizados domingo e terça-feira, enquanto no sábado e na segunda a folia tinha como palco o Clube do Congresso. “Os bailes dos anos 1990 reuniam de sete a oito mil pessoas nos dois dias de Carnaval”, lembra Nelson Gonçalves, diretor social do Iate Clube de Brasília. “Nada se compara aos carnavais daquela época”.

Em 1996, o Carnaval do Iate foi inesquecível. Cinco bailes aconteceram durante os quatro dias divertimento: dois com a banda Squema Seis, dois com o Batom na Cueca e, no quinto, a folia embalada por um esquema mais tradicional: as marchinhas. “Eles eram no ginásio de esportes onde cabia mais gente”, conta Nelson.

No Iate, o público era mais velho, na faixa entre 30 e 40 anos, e os bailes, mais refinados. Os mais jovens iam para o Minas Tênis Clube e para a Associação Atlética Banco do Brasil (AABB).

 

 

 

 

 

 

Moradora da Asa Norte, Marilda Nepomuceno, 57 anos, é apaixonada por Carnaval desde criança. Nos anos 1970, segundo ela, a diversão acontecia nas matinês do Brasília Palace e, posteriormente, a folia era nos clubes.

“A gente percorria todos os bailes, o Minas, a AABB, o Iate”, lembra. “Todo mundo ia”. Hoje, a diversão de Marilda e seus amigos é nos blocos de rua, que se tornaram a cara do Carnaval de Brasília.

Agência Brasília/Fotos: Divulgação/Iate Clube

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