A morte de Teori e o futuro da Lava Jato

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Débora Bergamasco e Eliane Lobato

Era pouco antes das 16h, de quinta-feira 19, quando familiares do ministro do Supremo Tribunal Federal começaram a estabelecer em suas mentes a conexão mais funesta de suas vidas: o avião que havia caído em Paraty (RJ) poderia ser o mesmo que transportava Teori Zavascki, 68, para uma viagem de fim de semana ao litoral do Rio de Janeiro. Àquela altura, os parentes sabiam que o magistrado saíra do Campo de Marte, em São Paulo, rumo a uma ilha próxima à região do acidente. A apreensão que já tomava conta da família começou a ganhar ares de certeza quando os celulares de Teori não mais respondiam e surgiram as primeiras notícias de que o proprietário do avião bimotor modelo Beechcraft C90, prefixo PR-SOM, era Carlos Alberto Filgueiras, fundador do grupo hoteleiro Emiliano, amigo de longa data do ministro. Às 16h30 veio a confirmação que atingia sentimentalmente o seio da família Zavascki e, por instantes, petrificaria o Brasil: o relator da Lava Jato estava mesmo no voo que havia caído em alto mar sem deixar sobreviventes. Automaticamente, os meios político, jurídico, jornalistas e todos envolvidos de uma certa forma com a Lava Jato, se não verbalizaram, formularam mentalmente a pergunta compulsória: e agora? A preocupação, obviamente, é com o futuro da investigação, a maior operação de combate à corrupção da história recente do País, da qual Teori era um dos principais guardiões.

AS DELAÇÕES DA LAVA JATO

O relator exercia um papel crucial. Além dos processos regulares na Corte, o ministro acumulava em seu gabinete mais de 50 inquéritos e ações penais da Lava Jato. Cabia a ele conduzir os inquéritos envolvendo políticos com foro privilegiado. No momento, o caso mais importante, que ainda aguardava sua homologação, era a delação premiada de 77 executivos da Odebrecht, a mãe de todas as delações com potencial para implicar políticos dos mais diversos matizes. O ato, que oficialmente reconhece a validade jurídica dos acordos, estava previsto para o início de fevereiro. Só a partir dele, a Procuradoria Geral da República (PGR) poderia iniciar novas investigações com base nos depoimentos. Agora, uma espécie de espada de Dâmocles paira sobre a operação.

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Na quarta-feira 18, um dia antes de morrer, Teori estava em Brasília e já a par das delações dos diretores Odebrecht. Ele, sempre muito discreto, desabafou à sua maneira ao telefone com um de seus melhores amigos: “Bah, 2017 será muito pior que 2016, tu nens imagina”, afirmou ele, que era kardecista praticante. Na mesma conversa, uma triste ironia do destino. O magistrado relatou sua perplexidade ao tomar conhecimento que o presidente Michel Temer, ao nomear Alexandre de Moraes para o Ministério da Justiça, havia prometido indicá-lo à próxima vaga no Supremo. Teori não poderia imaginar que a próxima vacância aconteceria por sua própria ausência.

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A depender do roteiro a ser traçado a partir dos próximos dias, o futuro da Lava Jato pode estar em xeque. A definição do novo relator da Lava Jato ainda é incerta, mas pela letra fria da lei, deveria ser feita por Michel Temer e referendada pelo Senado Federal, onde 13 parlamentares são investigados pela Lava Jato. O próprio presidente da República foi citado por delatores e tem alguns de seus correligionários na alça de mira da Justiça. Ou seja, pelas regras atuais, ele pode escolher quem vai investigar os seus. Isso reacende um importante debate sobre a revisão dos critérios de nomeação de ministros para o STF e também para o Superior Tribunal de Justiça. Há que se lembrar que o próprio Zavascki foi indicado pela então presidente Dilma Rousseff durante o mensalão, ação penal que julgava, sobretudo, autoridades do PT e do governo da petista. Teori inclusive foi criticado por ter absolvido, tão logo sentou na cadeira de ministro do STF, com um voto de desempate o ex-ministro José Dirceu,  o ex-deputado José Genoíno e o ex-tesoureiro Delúbio Soares do crime de quadrilha, já na fase finalíssima do processo, a dos embargos infringentes. Entre os nomes comentados, na última semana, para a vaga de Teori estavam os de Luiz Antônio Marrey, promotor de Justiça e ex-Secretário da Casa Civil do Estado de São Paulo, Ives Gandra Martins, jurista, Alexandre de Moraes, ministro da Justiça, e Grace Mendonça, advogada-geral da União.

“Estou perplexo. O ministro Teori Zavascki foi um grande magistrado e um herói brasileiro” Juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato
“Estou perplexo. O ministro Teori Zavascki foi um grande magistrado e um herói brasileiro” Juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato

Nos dias que se seguiram ao trágico acidente que ceifou a vida de Teori, no entanto, intensificaram-se as pressões para que Temer não indicasse o novo relator, apenas um sucessor para a cadeira. O regimento interno do STF prevê que a presidente da Corte, Cármen Lúcia, invoque uma excepcionalidade. O próprio Supremo tem um precedente de 2009 no qual o então presidente da corte, Gilmar Mendes, determinou a redistribuição dos processos da relatoria do ex-ministro Menezes Direito dois dias após sua morte, sem esperar a indicação de um novo magistrado. Neste caso, caberia então à presidente do Supremo, caso julgue urgente, ordenar a redistribuição dos processos da Lava Jato. Fontes do Supremo ligadas à Cármen apontam que, preferencialmente, o novo relator sairá da Segunda Turma, responsável pelos processos da operação. Neste caso, a escolha ficaria entre os ministros Celso de Mello, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. A ideia da presidente do STF é costurar um consenso entre os magistrados. Na noite da tragédia, ela afirmou que ainda não havia se debruçado sobre o tema. “Minha dor é humana”, limitou-se a dizer, ao chegar à corte para acompanhar o desenrolar dos acontecimentos.7

Se ainda é cedo para precisar como a morte de Teori impactará o futuro dos envolvidos no Petrolão, uma coisa é líquida e certa: haverá um atraso considerável na condução das homologações das delações premiadas dos executivos Odebrecht. Integrantes do Ministério Público Federal calculam que os trabalhos serão postergados por no mínimo três meses, até que o processo volte a atingir velocidade de cruzeiro. O relator já havia estabelecido um cronograma: a intenção era concluir o processo e retirar os sigilo dos depoimentos em fevereiro. Na semana que se inicia, o STF deflagraria as audiências com os delatores para averiguar se seus depoimentos haviam sido espontâneos ou se teriam sofrido algum tipo de coação para fazê-los. Os encontros, claro, foram cancelados e não há data para retomá-los. Além de retardar o desenlace do importante capítulo Odebrecht, a expectativa é de que as conclusões para o chamado “recall” de empresas que já delataram também demorem mais. A nova equipe que herdar os processos terá de se debruçar sobre o tema e estudá-lo com afinco, o que demanda tempo, devido ao imenso volume de material e à complexidade dele.

Nas redes sociais, circularam pedidos, convertidos em clamores, em defesa da indicação do juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara de Curitiba, para a vaga no Supremo. Tecnicamente, porém, há um empecilho. Os juízes que atuavam na Lava Jato em outras instâncias tornam-se impedidos para julgar processos da Lava Jato na corte suprema, caso fossem indicados para o cargo, o que esvazia qualquer chance real de indicação do magistrado de Curitiba para o cargo. Em nota, Moro deu a dimensão da importância de Teori para o andamento da operação: “Teori Zavascki foi um grande magistrado e um herói brasileiro. Sem ele, não teria havido a Operação Lava Jato. Espero que seu legado, de serenidade, seriedade e firmeza na aplicação da lei, independente dos interesses envolvidos, ainda que poderosos, não seja esquecido.” É o que todos esperamos.

 

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Destroços O corpo do ministro Teori ficou preso nas ferragens do avião 

A TRAGÉDIA

O voo duraria apenas meia hora entre o Campo de Marte, em São Paulo, de onde partiu às 13h01, e o aeroporto de Paraty, no Rio de Janeiro. Ventava e chovia muito, e o piloto do bimotor modelo Beechcraft C90, prefixo PR-SOM, precisava de visibilidade – justamente o que não existia na quinta-feira 19, em torno de 13h30 – para voar. Ele entrou em contato com a torre de comando e anunciou pouso na pista 28. Segundo disse à ISTOÉ o capitão de barco Thiago Marques, que estava no mar, o comandante foi diminuindo a altitude e a velocidade da aeronave, exatamente como estabelece um plano de voo nos procedimentos normais de aterrissagem. Mas algo o impediu de continuar – provavelmente a péssima condição meteorológica – e ele de o aviso de arremeter, isto é, cancelar os procedimentos de pouso. E partiu em direção ao mar, onde caiu, perto da Ilha Rasa, litoral da cidade, a menos de dois quilômetros da cabeceira da pista de pouso.

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“Recebemos com profundo pesar a notícia do falecimento do ministro Teori Zavascki, um homem público exemplar”, disse o presidente Michel Temer, instantes depois de receber a notícia do desastre repassada pelo ministro José Serra

Estes foram os últimos momentos das cinco pessoas que estavam a bordo da aeronave, entre as quais, Zavascki. Somente uma mulher, a massoterapeuta, modelo e dançarina Maíra Panas, 23, resistiu à queda e foi vista pela janela do bimotor já dentro da água, pedindo socorro desesperadamente, segundo o empresário Elias Ramos, que estava perto do local do acidente. Ele descreve a cena macabra: “Ela estava presa nas fuselagens, sob a água, agitava as mãos e gritava muito por ajuda.” Imediatamente, várias embarcações que se encontravam nas imediações se dirigiram ao local. “A gente tentou resgatá-la, mas não conseguiu”, lamentou Ramos.

Além de Teori e o dono do hotel Emiliano, as outras vítimas fatais do acidente foram o piloto Osmar Rodrigues, 53, e Maria Ilda Panas, 55, mãe de Maíra, que prestava serviços para Filgueiras, em tratamento devido a problemas no nervo ciático. Maria era professora, no Mato Grosso, e foi passar o aniversário, dia 15, em São Paulo, onde a filha morava. Ganhou de presente o passeio à cidade histórica de Paraty. O capitão de barco Thiago Martins fotografou e filmou os destroços dentro do mar. “Eu estava a cinco minutos do local. Na hora que o avião caiu, o tempo não estava tão fechado. Mas poucos minutos depois já não dava para enxergar nada de tanto nevoeiro. Tinha chovido muito”, disse à ISTOÉ. A imagem, segundo ele, foi “chocante”: “O avião estava indo para o pouso e, de repente, virou para a água. Foi um barulho horrível, todas as 20 pessoas que estavam em meu barco levaram um susto”. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a aeronave estava com validade do certificado aeronáutico e a situação de aeronavegabilidade em dia, com inspeção anual válida até 12 de abril. O avião turboélice, considerado dos mais seguros do mundo, está registrado em nome da empresa Emiliano Empreendimentos e Participações Hoteleiras. As vítimas foram retiradas dos escombros durante a madrugada de sexta-feira 20. Os corpos não sofreram grandes mutilações e foram levados para o Instituto Médico Legal (IML) do município vizinho de Angra dos Reis.

O Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF) investigam o acidente, junto com a Procuradoria da República, em Angra. A fase, agora, é de coleta de depoimentos de testemunhas e análise das gravações das conversas entre o piloto e a torre de controle do aeroporto de Paraty. Especialista em desastres aéreos, o escritor Ivan Sant’Anna explicou que a sofisticação do bi-motor C90GT de nada adiantou perto da rudimentar situação do aeroporto de Paraty.

A Lava Jato sem Zavascki
As possibilidades e os próximos passos no STF:

1. Regimento:
Em caso de morte, o relator é preferencialmente substituído pelo novo ministro nomeado para a vaga pelo presidente da República, Michel Temer (art. 38)

2. Brechas:
Relatoria pode ser redistribuída por determinação da presidente do Supremo, Cármen Lúcia. Precedente é portaria de 2009 redistribuindo processos do ex-ministro Menezes Direito em decorrência de sua morte

3. Relator da 2ª Turma do STF
Fontes do Supremo apontam que a vaga de Teori pode ser ocupada por um dos ministros da 2ª Turma, que cuida da Lava Jato, composta atualmente por Celso de Mello, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Há quem defenda, porém, redistribuição livre para qualquer ministro

OUTRAS QUESTÕES:
Como será o processo de escolha de novo ministro:

> O presidente indica um nome para substituir Teori. Esse nome passa pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Depois de aprovado na comissão, o nome do novo ministro vai a Plenário do Senado para ser aprovado.

Redistribuir os processos:
> Depois de indicado, o novo ministro terá um tempo para estudar os processos que estavam em mãos de Teori, o que pode levar alguns meses

Demandas pela frente:
> Homologação das delações premiadas de 77 executivos e funcionários da Odebrecht
> Ajustes em delações premiadas alvos de ‘recall’ por apresentarem novos elementos às investigações
> Condução de todos os inquéritos e denúncias da Lava Jato envolvendo políticos com foro privilegiado

As ameaças a Teori
O filho do ministro, Francisco Zavascki, diz que a família recebia recados velados desde maio passado

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Assim que saiu a notícia da morte do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki em um acidente de avião, a hipótese de que ele pode ser vítima de um atentado começou a invadir a internet, pois o magistrado é o relator do caso Lava Jato na corte suprema, contrariando interesses milionários. Mas, muito além de teorias conspiratórias, as suspeitas de que possa ter havido um ato criminoso não são descartadas nem pela Polícia Federal. A corporação enviou ainda na tarde de quinta 19 uma equipe para investigar as causas da queda do bimotor. Delegados e peritos que estão participando destas apurações atuaram na elucidação da catástrofe, em 2014, com a aeronave que vitimou o então candidato à Presidência Eduardo Campos (PSB).

No dia 26 de maio do ano passado, quando a operação seguia a pleno vapor, Francisco Zavascki, advogado e um dos filhos do magistrado, demonstrou em sua página pessoal de Facebook a preocupação com a segurança da família, justamente por eventuais retaliações por conta do trabalho de seu pai na relatoria do caso: “É óbvio que há movimento do mais variados tipos para frear a Lava Jato. Penso que é até infantil imaginar que não há, isto é, que criminosos do pior tipo (conforme o MPF afirma) simplesmente resolveram se submeter à lei! Acredito que a lei e as instituições vão vencer. Porém, alerto: se algo acontecer com alguém da minha família, vocês já sabem onde procurar…! Fica o recado!”, dizia o texto.

Assim que soube da tragédia, na quinta 19, o delegado Márcio Adriano Anselmo, um dos principais investigadores da Lava Jato, publicou em sua rede social desconfianças sobre a fatalidade do óbito. “Esse ‘acidente’ deve ser investigado a fundo”, assim mesmo, colocando a palavra acidente entre aspas. E arrematou dizendo que trata-se “do prenúncio do fim de uma era”.

Um amigo até o fim

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O empresário Carlos Alberto Fernandes Filgueiras, dono do avião que caiu em Paraty, mantinha desde 2012 uma grande amizade com ministro Teori Zavascki. Filgueiras, que também morreu no acidente, tinha 69 anos e construiu um sólido patrimônio como empreendedor no mercado imobiliário. Há vinte anos, ele passou a atuar também no setor hoteleiro. Construiu em São Paulo um dos mais luxuosos hotéis do País, o Emiliano, na badalada Rua Oscar Freire, nos Jardins.

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